Cientistas detectam nível de cianobactérias 22 vezes acima do normal em rio no Pará

Coloração esverdeada e cheiro forte no rio Pará, no nordeste do estado, preocuparam moradores e foram alvos de estudo por pesquisadores do Instituto Evandro Chagas.



Cientistas do Instituto Evandro Chagas (IEC) detectaram aumento acima do normal de cianobactérias no rio Pará, localizado no nordeste do estado. A coloração esverdeada e o forte cheiro preocupou moradores ribeirinhos e pescadores que vivem na região.

Segundo nota técnica, elaborada pela Seção de Meio Ambiente (SEAMB) do instituto, a densidade desses organismos no rio nunca havia ultrapassado o limite de 50 mil células por mililitro, estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) desde o início do monitoramento, em 2009. O nível detectado foi 22 vezes acima deste limite.

O relatório do IEC emite um alerta às autoridades para a "floração que vem ocorrendo nessa região e seus riscos associados, tais como, possíveis intoxicações pelo contato primário com as águas".

Os pesquisadores recomendam a análise de toxinas na água; avaliação da floração através do monitoramento das densidades de cianobactérias e a construção de uma cartilha de orientações sobre o uso da água pela população local.

O estudo também recomenda implantação imediata de biomonitoramento no rio Pará, afluentes e praias, abrangendo os municípios de Barcarena, Abaetetuba e Ponta de Pedras, incluindo monitoramento físico-químico, metais pesados, nutrientes, hidrocarbonetos, cianotoxinas, zooplâncton, fitoplâncton, cianobactérias, pescado e mariscos da região.

As análises foram feitas a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que instaurou procedimento e solicitou análises ao IEC no final de janeiro.

Segundo o órgão, a substância encontrada pelos cientistas pode provocar irritação da pele humana e deixa a água imprópria para banho e consumo. "A água não deve ser usada mesmo que seja filtrada ou fervida. Outro risco provocado pelo aumento excessivo – a chamada floração – de cianobactérias é a redução do oxigênio na água, o que pode acarretar mortandade de peixes".

Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC
Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) divulgou uma nota no último sábado (27) afirmando que "acompanha o trabalho de coleta da água, feito pelo IEC, pela Vigilância Sanitária e pelas secretaria municipais de meio ambiente dos referidos municípios".

A Semas disse, ainda que "vai enviar uma equipe especialista em análises de qualidade da água aos locais" e que "pelos estudos feitos até o momento, não é possível afirmar se o fenômeno foi causado por ação humana ou ocorrência natural". A nota diz também que "outras coletas estão sendo feitas, para avaliar as causas e se existe risco à saúde da população".

Já prefeitura de Barcarena emitiu uma nota informando que a coloração esverdeada no rio é decorrente de um fenômeno natural e que órgãos estão realizando análises (confira a nota na íntegra ao final).

Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC
Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC

O que são cianobactérias?

"As cianobactérias são bactérias semelhantes as microalgas do fitoplâncton, que naturalmente são encontradas em rios, igarapés, reservatórios e lagos, nos quais participam de processos importantes no ambiente, (...) servindo de alimento para outros microrganismos e peixes planctófagos, entretanto, em condições de eutrofização podem crescer promovendo o fenômeno de floração que mudam a coloração, o sabor, o cheiro e a viscosidade da água, podendo produzir toxinas (dermatotoxina, hepatoxina e neurotoxina) que podem acometer animais e seres humanos".

Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC
Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC
Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC
Alto nível de cianobactérias é detectado no rio Pará. — Foto: Divulgação / IEC

O estudo

Segundo a nota técnica SEAMB/IEC 001/2021, emitida na última quarta (24), o aumento de cianobactérias ocorre desde dezembro de 2020.

Coletas realizadas entre 29 de janeiro e 2 de fevereiro nas praias do Capiri, Itupanema, Conde e Beja identificaram pico máximo de 1.103.106 células por mililitro, das espécies de cianobatérias Microcystis aeruginosaMicrocystis protocystis e Microcystis wesenbergii . Segundo o relatório, as três espécies são as causadoras do florescimento nas águas do rio Pará, abrangendo o entorno da Baia do Marajó, nos municípios de Barcarena, Abaetetuba e Ponta de Pedras.

"Estas espécies são reconhecidas na literatura como produtoras de microcistinas com efeito hepatotóxico. Destacamos que na mesma área próximo ao Porto de Vila do Conde são lançados continuamente águas residuárias, efluentes sanitários e industriais e também ocorre intensa movimentação de embarcações de grande porte", aponta a nota.

O nível de presença desses organismos foi associado, pelos cientistas, ao "aumento da precipitação pluviométrica, baixa velocidade dos ventos, maior transparência da água, menor turbidez e menor concentração de sólidos totais em suspensão na água".

Na área do Porto de Vila do Conde, em Barcarena, importante área portuária no Pará, o pH nas águas se manteve com média de 7,49, características diferentes das médias registradas nos portos de Belém (pH=6,64), Miramar (pH=6,60) e Outeiro (pH=6,81).

O ph, que mede o nível de acidez, no porto de Vila do Conde chegou até 12,82, considerado cima da legislação do Conama e muito elevados, segundo o estudo, em comparação a outros rios da região com as mesmas características.

Confira a nota da prefeitura de Barcarena:

"A Prefeitura Municipal de Barcarena, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico - SEMADE, comunica à população de Barcarena que foi observado, neste mês de fevereiro, que as águas das praias e outros recursos hídricos da região estão apresentando uma coloração esverdeada.

Este fenômeno é natural e ocorre anualmente na região no período de alta pluviosidade pela maior presença de cianobactérias nas águas. Porém devido a concentração acima do normal, os órgãos competentes estão realizando coleta e análise das águas para identificar a causa deste fenômeno.

Por medida de precaução, e até que as análises sejam concluídas, a Prefeitura de Barcarena comunica à população que ao identificar a coloração esverdeadas nas aguas das praias do município, evite o contato e consumo, assim como a população ribeirinha.

Informamos que os órgãos competentes iniciaram a coleta de água, para análise, nas áreas afetadas, assim como foi realizada uma reunião no dia 25/02/2021 promovida pelo MPF, onde estiveram presentes representantes do Ministério Público Estadual, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade - SEMAS, Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico - SEMADE, Secretaria Municipal de Saúde - SEMUSB, Instituto Evandro Chagas - IEC, Laboratório Central - LACEM da Secretaria de Saúde do Pará - SESPA , objetivando o alinhamento desses órgãos, visando as medidas a serem tomadas para o esclarecimento dos motivos desta alteração na coloração das águas do município de Barcarena."

Linha do tempo

Acidentes ambientais em Barcarena (PA):

  • 2000: naufrágio da balsa Miss Rondônia, com derramamento de aproximadamente 2 milhões de litros de óleo BPF no rio Pará;
  • 2002: derramamento, no rio Pará, de cerca de 100 quilos de coque (pó preto derivado do petróleo, também conhecido como carvão mineral), devido a uma falha no sistema utilizado para transportá-lo de um navio para o interior do complexo industrial Albras/Alunorte, ocasionando uma mancha negra em suas águas de aproximadamente dois quilômetros de extensão;
  • 2003: vazamento de grande proporção de lama vermelha de bacias de rejeitos da Alunorte, acarretando contaminação do rio Murucupi, o que gerou a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPPA e inquéritos policiais;
  • 2003: a localidade de Vila do Conde registrou episódio de uma chuva de fuligem, em que as praias, rios, residências e estabelecimentos comerciais foram completamente cobertos de material particulado com coloração preta, não tendo havido definição sobre a identificação da empresa responsável pela ocorrência, sendo que a fuligem, que chegou a atingir cinco centímetros de espessura, gerou reação alérgica e complicações respiratórias em grande quantidade de pessoas;
  • 2004: vazamento de grande proporção de material proveniente de bacias de rejeito na Imerys, ocasionando contaminação dos igarapés Curuperê e Dendê;
  • 2006: “floração de algas” no igarapé Mucuraçá e praia do Caripi;
  • 2006: novo vazamento de material proveniente de bacias de rejeito na Imeyrs com nova contaminação dos cursos d'água;
  • 2007: novo acidente ambiental envolvendo rejeito da empresa Imerys, desta vez de proporção ainda maior, atingindo até mesmo o rio Pará, o que gerou a assinatura de TAC com o MPPA, além de inquérito policial;
  • 2007: mortandade de peixes no rio Arienga, iniciando-se próximo à área industrial da Cosipar;
  • 2008: vazamento de óleo das instalações da Petrobras em Vila do Conde;
  • 2008: naufrágio do rebocador Jeany Glalon XXXII, próximo à localidade denominada Furo do Arrozal, ocasionando o vazamento de aproximadamente 30 mil litros de óleo e uma mancha de cerca de 17 quilômetros de extensão;
  • 2009: vazamento de lama vermelha das bacias de rejeito da Alunorte, atingindo várias comunidades;
  • 2010: ocorrência de fenômeno de nuvem de fuligem que encobriu todo o bairro industrial do município;
  • 2011: rompimento de duto com efluentes ácidos da Imerys, atingindo, mais uma vez, os igarapés Curuperê e Dendê;
  • 2012: mais um vazamento de material das bacias de rejeito da Imerys;
  • 2014: novo vazamento de rejeito da Imerys, o que chegou a ser objeto de ação cautelar ajuizada pelo MPF e MPPA na Justiça Federal de Belém, tendo havido posterior assinatura de TAC, que se encontra em fase de fiscalização do respectivo cumprimento;
  • 2015: naufrágio do navio Haidar, no leito do porto de Vila do Conde, com 5 mil bois vivos, que provocou graves impactos ambientais sobre toda a região, sendo a questão objeto de ação civil pública em andamento na Justiça Federal de Belém.
  • 2018: despejos irregulares de efluentes da refinaria Hydro Alunorte, provocando a contaminação de rios, igarapés e da população, sendo objeto de ações civis públicas na Justiça Federal em Belém e na Holanda.
  • 2021: “floração de algas” no rio Pará.

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