Lula não tem força para enfrentar questões militares agora, diz historiador


Na sua avaliação, o petista não tem força para enfrentar agora o antigo problema brasileiro de "intervencionismo militar" na política, após ter sido eleito em uma vitória apertada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, governo em que as Forças Armadas alcançaram o maior espaço desde a redemocratização.

"Qualquer governo que assumisse agora teria dificuldade (na relação com os militares), a não ser que fosse de extrema-direita novamente. Então, acho compreensível a tentativa de acalmar os ânimos", afirmou em entrevista à BBC News Brasil.

"Compreendo que seja impossível enfrentar os problemas que existem na relação dos militares com a política, dos militares com os civis, depois de toda uma longa trajetória de falas políticas indevidas, de indisciplina, de quebra da hierarquia, de tudo que aconteceu no governo Bolsonaro", acrescentou.

Para o professor titular de História Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a politização das Forças Armadas aumentou a partir do governo de Michel Temer e, em especial, nos últimos quatro anos, mas é um problema "estrutural, extremamente complexo", que se reflete no "excesso de atribuições indevidas" atribuídas aos militares pelas constituições brasileiras ao longo dos séculos.

Fico diz que isso permanece na Constituição atual por meio do artigo 142, que estabelece que "as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Segundo o historiador, essa redação foi incluída por lobby dos militares e dá margem para interpretações equivocadas que atribuem às Forças Armadas um pretenso papel moderador sobre os três Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Apesar de considerar que isso "fragiliza muito a institucionalidade da democracia brasileira", o historiador não acredita que haverá qualquer tentativa de mudar esse trecho da Constituição nos próximos anos.

"A alteração disso é uma coisa que criaria um tumulto muito grande entre os militares. Muito maior do que, por exemplo, foi a Comissão Nacional da Verdade (durante o governo Dilma Rousseff)", afirma.

"Precisa de um Presidente da República muito forte pra enfrentar esse tipo de problema. No momento, a gente está no início do governo, vindo de uma eleição que foi disputada quase que, diria, voto a voto. Então, temo que isso vá ter que aguardar um pouco", reforçou em outro trecho da entrevista.

Lula escolheu o político conservador José Múcio (PTB) para o Ministério da Defesa e nomeou como comandante das três forças os generais-oficiais mais antigos: general Julio César de Arruda (Exército), almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen (Marinha) e o tenente-brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno (Aeronáutica).

Apesar de considerar as escolhas compreensíveis dentro de uma estratégia de conciliação, Fico considerou "muito ruim" a antecipação da nomeação dos comandantes para antes da posse de Lula, após pressão das Forças Armadas.

Ele também criticou a declaração de Múcio de que os acampamentos em frente aos quartéis pedindo um golpe militar após a eleição de Lula, justamente como base no artigo 142 da Constituição, seriam uma "manifestação democrática".

"É um equívoco, um excesso de zelo dele. Ele não é tão habilidoso assim como se propaga, pelo visto, né?", questionou Fico.

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